A Casa que Jack Construiu, 2018: A terrível tragédia

Arthur S. E.
3 min readNov 28, 2019

--

Texto escrito para o blog Sala Lights Out

“The Barque of Dante” por Eugène Delacroix • Wikimedia Commons

No último texto da página, vimos a importância do cinema para a composição da imaginação moral do ser humano e seu papel representativo de preceitos cruciais para a comunidade. Na ocasião, por circunstâncias de roteiro, o filme que analisamos demonstrou “apenas” o mal e suas implicações terrenas. Daremos um passo adiante. Examinaremos agora, portanto, o Mal e suas implicações Eternas.

Em 12 Regras Para a Vida: Um antídoto para o caos, o psicólogo clínico e professor canadense da Universidade de Toronto Jordan Peterson explica que a ética é o estudo filosófico da moralidade — do certo e errado. Mas somente a religião pode lidar com os próprios valores supremos ou, para usar o conceito do psiquiatra suíço Carl Jung, seus arquétipos.

Arquétipo vem do grego arché (ἀρχή), que significa o “princípio” ou a “posição superior”. Jung, então, definiu o termo como um conjunto de imagens primordiais idealizadas por meio de repetição ao longo de gerações que formam o modelo primeiro de algo, originando o conhecimento e o imaginário coletivos. Os arquétipos do certo e do errado são, nesta lógica, o Bem e o Mal.

A Casa que Jack Construiu’ tem como protagonista o ator Matt Dillon | Foto: Wikimedia Commons

O longa A Casa que Jack Construiu (2018), de Lars von Trier, introduz Jack, um serial killer com transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) por limpeza e arquiteto que é incapaz de finalizar sua casa ideal. O filme é dividido em cinco partes nas quais seus assassinatos são apresentados — as vítimas são quatro mulheres e dois meninos. Todas são levadas a um frigorífero que Jack possui. Violência extrema, barbaridades e sadismo caracterizam todo o processo de execução e transporte. Jack simboliza o que Peterson classificou como a tríade do mal: arrogância, falsidade e ressentimento.

Durante a trama, Jack trava uma discussão filosófica com um senhor misterioso que não se revela de início. O assassino se considera um erudito e trabalha sua coleção de cadáveres como se fosse uma obra artística, inflando seu narcisismo. No entanto, como identifica Gabriel Danius no site Nos Bastidores, nada para Jack está perfeito, e ninguém, nem mesmo seu companheiro de conversa, parece apreciá-lo. Seus projetos de lar fracassam e seus feitos mórbidos nunca lhe satisfazem. Na mesma proporção que seu niilismo aumenta, a incessante busca por notoriedade de suas “obras-crimes” também se acentua.

Segundo Peterson, a amargura é sinal de um tirano em progresso que, diante da injustiça fantasiosa, questiona e amaldiçoa o Ser e desemboca na vingança destrutiva do humano. Com dificuldade de aceitar a responsabilidade por não considerar as implicações negativas de seus atos, o otimista inescrupuloso, como nomeou o filósofo inglês Roger Scruton em As Vantagens do Pessimismo, transfere sua culpa a alguém. Quem culpar, em sua revolta calamitosa, senão o Criador, assim como Caim afrontou Deus?

No desfecho da estória, Jack — no ápice de seu desespero — encontra seu interlocutor enigmático que se manifesta como Virgílio, o poeta romano que guia Dante pelo Inferno em A Divina Comédia. Em seguida, numa alegoria, Jack é transportado para o submundo pelo senhor e passa por seus círculos até chegar à ponte quebrada cujo destino é o Céu. Mesmo com os conselhos de Virgílio, Jack arrisca a sorte na escalada das paredes para alcançar o Paraíso e, assim, se livrar de seus pecados.

A origem em hebraico da palavra pecado quer dizer errar o alvo. Deve ser correto afirmar que Jack não passou nem perto.

Publicado em: https://salalightsout.000webhostapp.com/a-terrivel-tragedia/

--

--

No responses yet