Os Suspeitos, 2013: A virtude da imaginação

Arthur S. E.
3 min readNov 28, 2019

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Texto escrito para o blog Sala Lights Out

“American Progress” por John Gast • Wikimedia Commons

Logo quando um filme termina e as luzes são acesas, um processo de interpretação e análise se inicia na mente do telespectador a fim de recapitular as cenas e montar uma estrutura lógica que lhe permita entender o que acabou de presenciar. Assim, assistir a produções cinematográficas abarca a compreensão da mensagem intencionada pelo seu criador: o que isso quer dizer?

O autor pode responder a esta questão claramente no desenvolvimento e na conclusão da estória, porém não raramente a “lição” é entrelaçada por técnicas formais que a constituem. Portanto, talvez a motivação esteja subentendida em metáforas, em sátiras ou até em cenários que representam o oposto daquilo que se quer transmitir. Para apreendê-la nestes casos, a mente do espectador deve se expandir assim como uma flor se desabrocha ao revelar sua beleza e essência.

A importância da chamada imaginação moral é, então, imanente. Imaginação moral pode ser definida, diz Marcela Saint Martin, colaboradora do blog Como Educar Seus Filhos, como a capacidade de conceber os outros seres humanos como seres morais. Para isso é necessário “admitir o fato de que existe uma natureza humana comum a todos os homens; que, no fundo de toda a variedade da experiência humana, há verdades permanentes e leis universais que podem ser reconhecidas e expressadas em termos de linguagem”. Sem ela, a capacidade de entendimento do sujeito se ofusca, pois o conteúdo, já que seu repertório não o abrange, esbarra no plano de abstração.

Por sua vez, para alargar a imaginação moral a formação cultural é imprescindível. Rosalia Maria Duarte, membro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), explica que o cinema é uma plataforma que age nesse intuito: “Ver filme é uma prática tão importante, do ponto de vista da formação cultural e educacional das pessoas quanto a leitura de obras literárias, filosóficas, sociológicas e tantas mais”. Diferentemente de obras escritas, o cinema não exige o completo domínio de estruturas complexas da língua para internalizar seu simbolismo; a imagem transmuta-se de forma quase pedagógica.

Segundo a filósofa e escritora americana Martha Nussbaum, alma mater na Universidade de Havard e na Universidade de Nova Iorque, a qualidade artística assegura o potencial de convergir o mérito da obra em si e a habilidade de integrar a personalidade em níveis profundos. Com efeito, as narrativas podem oferecer os três pontos, apontados por Mark Johnson, professor americano de Artes Liberais e Ciências do Departamento de Filosofia da Universidade de Oregon, que provocam a imaginação: o reconhecimento da qualidade moral de um problema, as diferentes perspectivas possíveis e as consequências para todos envolvidos.

Dilema moral vivido por Keller Dove, personagem de Hugh Jackman (foto), é uma das características da trama de ‘Os Suspeitos’ | Foto: Wikimedia Commons

Um bom exemplo de filme de suspense que representa esse fenômeno é Os Suspeitos (2013), dirigido por Denis Villeneuve. Estrelado por Hugh Jackman, Jake Gyllenhaal, entre outros, o enredo centra-se na investigação de sequestro de duas garotas na Pensilvânia. O pai de uma delas, ao perder a paciência com a polícia, decide agir por conta própria, tomando ações drásticas. O longa investiga o mal em sua essência e as suas implicações morais, nas palavras do crítico Alysson Oliveria, do Cineweb.

Como bem sintetiza Mark Hughes no seu artigo para o site Forbes, todos nós amamos nossos familiares e não haveria nada que não faríamos para achá-los, não haveria nada que não faríamos com alguém que considerássemos responsável ou que soubesse onde eles estariam. “Contudo”, reflete ele, “dizemos tudo isso como se fosse algo que se encontra longe das nossas necessidades e ações reais”.

À medida que identificamos a situação e assimilamos as sequelas de personagens fictícios — que caracterizam o mundo concreto — em condições possíveis, mas pelas quais não temos certeza de que passaremos, o imaginário moral se molda e fortalece valores de conduta vitais para a cooperação em comunidade. O entretenimento quando chega a esse patamar de comunicação ascende-se a um nível simbólico superior e, por isso, como afirma Hughes, “escolhe não apenas ser memorável, mas elementar”.

Publicado em: https://salalightsout.000webhostapp.com/a-virtude-da-imaginacao/

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